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Justiça é o que  quero!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Código Florestal e a violência no campo


Em média, por ano, 2.709 famílias são expulsas de suas terras e 63 pessoas são assassinadas no campo brasileiro na luta por um pedaço de terra A violência é parte essencial da história dos pobres da terra: índios, negros, camponeses. Ela, por sua vez, é alimentada pela impunidade – fenômeno sócio-político conscientemente assimilado pela nossa instituição judiciária.
Por Dom Tomás Balduíno

No mês de maio deste ano, desabaram sobre a sociedade brasileira cenas de uma dupla violência: a aprovação do Código Florestal pela maioria da Câmara dos Deputados, tratando do desmatamento, e os assassinatos de líderes camponeses que se opunham ao desmatamento na Amazônia.
A ninguém escapa o protagonismo da bancada ruralista pressionando a votação deste Código por meio de mobilizações de pessoal contratado em Brasília e através de sessões apaixonadas na Câmara dos deputados. Por outro lado, as investigações dos assassinatos vão detectando poderosos ruralistas por trás destas e de outras mortes de camponeses.
O Código tem, de ponta a ponta, um objetivo maior inegável: ampliar o desmatamento em vista do aumento da produção. Um estudo técnico sobre as mudanças aprovadas em Brasília assinala que elas permitem o desmatamento imediato de 710 mil km², mais que o dobro do território do Estado de Goiás.
É impressionante a fúria com que este instrumento legal avança sobre as áreas de preservação dos mananciais destinadas a criar uma esponja à beira dos rios, defendendo-os das enxurradas e impedindo o seu assoreamento. A legislação anterior, embora tímida, exigia uma faixa de 30 metros de cada lado. A atual legislação a reduz para ridículos 10 metros.
A reserva legal, religiosamente mantida pelas pequenas e médias propriedades, é o que ainda hoje dá uma visível cobertura de vegetação nativa em nossos diversos biomas, em razão do grande número de médios e pequenos estabelecimentos. Isso também desaparece. Aliás, o Código não cuida da agricultura familiar que é responsável por cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro.
O Código se ajusta muito mais às áreas desmatadas a perder de vista e destinadas a gigantescas monoculturas. A grande expectativa com relação a esse Código é que se consolidasse a proposta já transformada em lei, de recuperação das áreas devastadas. Para nossa decepção, deixa-as como estão. Nós, do Centro Oeste, estávamos sonhando com a recuperação das áreas de preservação permanente do rio Araguaia, nosso Pantanal, sobretudo das suas nascentes, desmatadas em 44,5%. O sonho virou pesadelo. Com efeito, a nova Lei deixa tudo como está.
Até hoje, a grande queixa com relação aos desmatamentos no Cerrado e na Amazônia se prendia à falta de fiscalização. Entretanto, é justo reconhecer que muito esforço se fez buscando garantir a lei. Por exemplo, a varredura das áreas via satélite. Infelizmente, tornou-se uma prática nefasta na Amazônia os proprietários aguardarem dias nublados para procederem à queima das árvores. Ao se abrir o céu, o desmatamento já é fato consumado.
Em um dos Fóruns do Cerrado foram ouvidos depoimentos de camponeses denunciando outro tipo de crime: o desmatamento rápido à noite de importantes áreas de Cerrado com o uso de máquinas possantes, sem o risco de fiscalização.
Agora, com a flexibilização do novo Código, não há mais  necessidade de fiscalização. Mais ainda, alguns proprietários, sabendo com antecedência das permissividades e anistias a serem introduzidas por este código nas áreas devastadas ilegalmente, partiram logo para a criação de fatos consumados derrubando a cobertura verde. O título do brilhante artigo de Washignton Novais em “O Popular”, de 02 de junho, na página 7, é o seguinte: “Código de florestas ou sem?”. A nova lei foi apelidada também de “Código da desertificação”.
País do latifúndio
O que estaria por trás de tanta devastação e de tanta lenha acumulada?  É o seguinte: apesar da apregoada excelência dos avanços técnicos e econômicos do agronegócio brasileiro, os dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), referentes ao ano de 2009, em relação à produção por hectare, puseram a nu o fato, por exemplo, de que o Brasil está na sofrível 37ª posição na produção de arroz, atrás de países como El Salvador, Peru, Somália e Ruanda.
No milho, ocupamos a 64ª posição. No trigo, um vexame, na 72ª posição. Na soja, o badalado carro-chefe do agronegócio brasileiro um modesto 9º lugar, atrás do Egito, da Turquia e da Guatemala. Com relação ao boi, motivo de tanta soberba, de ostentação, de riqueza nas festas agro-pecuárias, ocupamos a humilde 48ª posição, atrás do Chile, do Uruguai e do Paraguai. (Confiram mais dados no substancioso artigo de Gerson Teixeira, Brasília, 19.05.11, “As Mudanças no Código Florestal: Alternativa para a ineficiência produtivista do agronegócio”).
A produção agropecuária sofre pelos altos gastos devido ao viciado uso do fertilizante e do agrotóxico. Os dados da FAO atestam que, a partir de 2007, nos transformamos no principal país importador de agrotóxico do mundo. Como essa tecnologia, em geral, tem se revelado ainda ineficaz na sonhada superprodução, pensou-se logo na liberação de áreas cada vez maiores de terras destinadas à produção. Se não vencemos em tecnologia, somos imbatíveis no latifúndio. E, para a tranqüilidade deste avanço predatório sobre o que resta de cobertura verde, buscou-se um instrumento garantido: justamente esse tal Código Florestal.
Apesar da complexidade deste tema, de pesadas conseqüências para o futuro da nossa terra, da nossa biodiversidade, dos recursos hídricos, da vida sustentável do solo, causou muita estranheza o fato destes legisladores não terem convidado em momento algum a nossa SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) a ABC, (Academia Brasileira de Ciências) o FBM (Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas) para os debates. Pois bem, aí está o desastroso resultado: saiu um código elaborado por ruralistas a serviço de seus colegas ruralistas. Restou-nos, como disse Paulo Afonso Lemos, “um código que não é claro, não é preciso, não é seguro”.
Mortes no campo
Em dezembro de 1988 caiu Chico Mendes, tal como uma pujante seringueira cortada pela raiz. No início de 2005, caiu a irmã Dorothy Stang, atirada pelas costas com a sua Bíblia na mão, sua pomba mensageira da Paz. Na manhã do dia 24 de maio deste ano, derrubaram o casal Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio Ribeiro da Silva, cuja orelha foi cortada pelos pistoleiros como prova do serviço feito. Logo em seguida, foi assassinado Eremilton Pereira, na mesma área. Supõe-se que tenha sido queima de arquivo por estar presente na hora do primeiro crime. Foi morto também Adelino Ramos, em Rondônia, um sobrevivente de Corumbiara.
Há uma lógica perversa por trás destas e de outras mortes, desde a morte de Zumbi dos Palmares e de Antônio Conselheiro de Canudos, até a morte de José Cláudio da Silva, de Nova Ipixuna. Esta lógica consiste na eliminação seletiva de lideranças vistas como obstáculo aos grandes projetos do agronegócio. A senadora Kátia Abreu, arvorando-se em advogada dos criminosos, declarou no mesmo dia 24 que estas mortes se devem à invasão de terras. A senadora ou é desinformada ou foi leviana na sua fala. Ao contrário, eles são legítimos assentados do Incra. Mais ainda, são dois heróicos pioneiros da criação da reserva extrativista do Assentamento Praia Alta Piranheira, em 1997.
Fazendo coro conivente com a parlamentar ruralista, alguns deputados vaiaram o deputado José Sarney Filho quando este leu no plenário da Câmara a chocante notícia das mortes destes camponeses. A nota da Comissão da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para o serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, faz justiça aos assassinados, fornecendo-nos uma preciosidade, a saber, a declaração de José Cláudio, em um plenário de 400 pessoas reunidas para estudarem a qualidade de vida do planeta:
“Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito, por isso vivo com a bala na cabeça a qualquer hora porque vou pra cima, eu denuncio. Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo pra serraria me dá uma dor. É como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque isso é vida pra mim que vivo na floresta e pra vocês também que vivem nos centros urbanos”.
Em média, por ano, 2.709 famílias são expulsas de suas terras pelo poder privado e 63 pessoas são assassinadas no campo brasileiro na luta por um pedaço de terra! 13.815 famílias são despejadas pelo Poder Judiciário e pelo Poder Executivo por meio de suas polícias! 422 pessoas são presas por lutar pela terra!  765 conflitos acontecem diretamente relacionados à luta pela terra! 92.290 famílias são envolvidas em conflitos por terra!
Carlos Walter Porto Gonçalves, professor do programa de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF), ao analisar anualmente os Cadernos de Conflitos no Campo da CPT, introduziu a preocupação com a geografia dos conflitos. Comparando e ponderando o número de conflitos com o número de habitantes na zona rural de cada estado, trouxe à tona a importante constatação de que o aumento da violência acontece em função do desenvolvimento do agronegócio.
A violência não acontece, pois, só nas áreas do atraso, acontece, sobretudo, nos centros mais progressistas do país. “A violência”, diz ele, “é mais intensa nos estados onde a dinâmica sociogeográfica está fortemente marcada pela influência da expansão dos modernos latifúndios (autodenominados agronegócio). É no Centro oeste e no Norte que as últimas fronteiras agrícolas são conquistadas às custas do sofrimento e do sangue dos trabalhadores e dos que os apóiam” ( Caderno da CPT, 2005, pág. 185).
Diz ele: “O agronegócio necessita permanentemente incorporar novas terras e para isso lança mão de todos os mecanismos de que dispõe: os de mercado, os políticos e a violência”. A violência é parte essencial da história dos pobres da terra: índios, negros, camponeses. Ela, por sua vez, é alimentada pela impunidade, fenômeno sócio-político conscientemente assimilado pela nossa instituição judiciária.
A CPT tem a famosa tabela dos assassinatos e julgamentos de 1985 a 2011:
Assassinatos:  1580.
Casos julgados: 91
Executores condenados: 73
Executores absolvidos: 51
Mandantes absolvidos: 7
Mandantes condenados: 21
Mandantes hoje presos:  1
Conclusão: de 1580 assassinados, só um mandante condenado se encontra na prisão! Essa é a medida da impunidade!
Encerrando esta análise da dupla violência do agronegócio, consubstanciada na violência contra a terra e na violência contra a pessoa humana, não posso deixar de destacar a contrapartida deste modelo, a saber, a nova busca do “cuidado” como lição que nos é dada pelos povos tradicionais. As comunidades indígenas vivem isto como algo que está profundamente entranhado na alma, leva-as a se entrosarem harmoniosamente com a Mãe Terra, a se entrosarem pessoas com pessoas, com a memória dos antepassados e com o próprio Deus.
A Terra, como se diz, está doente e ameaçada. Hoje, felizmente, vai se desenvolvendo a cultura ecológica que consiste no cuidado não só com o ser humano, mas com o planeta inteiro. O planeta não cuidado, como ensina Leonardo Boff, pode entrar num processo de enfermidade, diminuir a biosfera com conseqüências de que milhares vão desaparecer, não excluída a própria espécie humana.
Uma outra luz nos vem destes povos e de suas culturas. É o “bem viver”. É uma vida voltada para os valores humanos e espirituais e não presa às coisas, às riquezas, ao consumismo.
Na minha juventude, tive a chance de conviver com um grupo indígena, bem primitivo, no coração da Amazônia. Fiquei encantado ao descobrir, entre outras jóias, que, na língua deles, não existe o verbo TER. Um povo que vive feliz e que, no entanto, não acumula. Gente que faz do necessário o suficiente. A melhor prova desta felicidade está na constatação da alegria espontânea das crianças. Elas são o melhor espelho do povo.
Dom Tomás Balduíno é assessor da Comissão Pastoral da Terra, teólogo e bispo dominicano.

Mortes na região amazônica: vidas ceifadas pela expansão do capital e a omissão do Estado




Em questão de duas semanas, cinco pessoas foram assassinadas em áreas de conflitos de terra no Pará e Rondônia. Três vítimas – o casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo e o agricultor Erenilton Pereira dos Santos – moravam no assentamento Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna (PA). A quarta vítima, o líder do Movimento Camponês Corumbiara, Adelino Ramos, foi morta em Rondônia. No começo de junho, foi assassinado a tiros o agricultor Marcos Gomes da Silva, 33 anos, residente em Eldorado dos Carajás (PA). A execução se deu na presença da mulher e de outras três testemunhas, e os seis disparos foram feitos por dois homens encapuzados. As quatro primeiras vítimas foram mortas entre os dias 24 e 28 de maio.
O casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, era o mais conhecido de todos. Eles lutavam desde 2008 contra a devastação florestal e a exploração ilegal de madeira no entorno da comunidade de Maçaranduba, sudeste do Pará. A propriedade do casal tinha 80% da mata preservada. Eles viviam há 24 anos na região e faziam parte da Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), uma organização não governamental criada por Chico Mendes, assassinado no Acre na década de 80 por também defender a floresta amazônica.
Em palestra em novembro, no evento TEDx Amazônia, Zé Cláudio, também conhecido como Zé Castanha, denunciava o desmate. “É um desastre para quem vive do extrativismo como eu, que sou castanheiro desde os 7 anos da idade, vivo da floresta e protejo ela de todo jeito. Por isso, vivo com a bala na cabeça, a qualquer hora”. “Eu posso estar aqui conversando com vocês e daqui a um mês vocês podem saber a notícia de que desapareci”, disse ele também naquela ocasião.
Em outro momento, também em novembro do ano passado, o extrativista e líder ambiental contou como era conviver dia após dia com as ameaças de morte. Segundo Zé Cláudio, sua mulher sofria muito com a situação, mas era uma defensora da natureza ainda mais ferrenha que ele. “Quando eu paro um madeireiro, é ela quem fotografa com a máquina digital. Por isso que eles (quem os ameaçava) dizem: ‘Não pode matar ele e deixar ela. Não pode matar ela e deixar ele. Tem que matar os dois’”, justificando a razão pela qual matariam os dois.
Por conta das ameaças que recebia e das dificuldades de continuar o trabalho extrativista no assentamento, Zé Cláudio falava inclusive em deixar o local.
Longa lista de assassinados e ameaçados
As cinco últimas vítimas deste ano aumentam o já longo rosário de assassinatos, de lideranças mais ou menos conhecidas, passando por Chico Mendes (1988) e Ir. Dorothy Stang (2005), para citar apenas os dois casos de maior repercussão. O fato de terem sido mortos em épocas diferentes indica também a permanência histórica dos conflitos de terra em nosso país.
A CPT desde 1985 divulga, anualmente, o relatório sobre os conflitos no campo. Segundo a entidade, de 2000 a 2010, 1.855 pessoas foram ameaçadas pelo menos uma vez. Desse total, 207 pessoas foram ameaçadas mais de uma vez, sendo que 42 acabaram sendo assassinadas e 30 chegaram a sofrer tentativa de assassinato. De 2000 a 2010, foram assassinadas 401 pessoas em todo o país.
Na lista de marcados para morrer estão, entre outros, um sindicalista, um agricultor e dois vereadores de Nova Ipixuna, no sudeste do Pará, e dez líderes comunitários da região amazonense de Lábrea.
Já em março passado, um grupo de 13 ativistas, entre as quais freira Henriqueta Cavalcante, da Comissão de Justiça e Paz, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) estavam juradas de morte no Pará.
Os assassinatos ocorridos no Pará, fazem da região Norte a mais violenta do Brasil.
Governo dá sinais de reação
Diante das mortes, o governo federal começou a se mover, até porque os assassinatos, além do impacto interno, têm repercussões em nível internacional, chamuscando ainda mais a imagem do Brasil, especialmente em relação ao tratamento dado à Amazônia, com consequências econômicas.
Entre as iniciativas, estão as seguintes: a) Imediatamente, o governo começou a convocar diversos setores do governo, da sociedade civil (Comissão Pastoral da Terra – CPT) e os governadores, para discutir ações que devem ser tomadas com vistas a enfrentar a situação. Ao nível do governo, foram ou estão sendo mobilizados vários ministérios, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a Força Nacional de Segurança Pública, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.
No final de maio, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi convidada a participar de audiência com a ministra da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, para discutir as ameaças de morte contra lutadores e lutadoras da terra e sobre a violência no campo e os assassinatos da última semana. A CPT vem há anos denunciando ações desse tipo em todo o país. Seu relatório anual, Conflitos no Campo Brasil, publicado anualmente há 26 anos, traz denúncias tanto de pessoas assassinadas e áreas em conflito, quanto de pessoas que são ameaçadas em todo o país.
b) Além disso, a presidenta entrou pessoalmente na questão, criando um grupo de trabalho interministerial, a ser coordenado pelo secretário geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para acompanhar a investigação dos assassinatos e acelerar ações de regularização fundiária e desenvolvimento sustentável nas áreas de conflito. A Operação Arco de Fogo, criada em 2008. Em reunião com vários ministros, convocada pela presidenta Dilma, o governo anunciou o envio de tropas à área do conflito.
c) Em outra ponta, o governo decidiu anunciar algumas medidas pontuas e burocráticas para deter a escalada de violência no campo. Retomou a Operação Arco de Fogo, criada em 2008 para coibir ações de extração ilegal de madeira na região da Amazônia e outros delitos ambientais. Está cogitando a criação de uma Área sob Limitação Administrativa Provisória (Alap), via decreto, que funcionaria como uma espécie de intervenção federal em áreas do Acre, Amazonas e Rondônia. O governo decidiu também dar prioridade à segurança de 30 agricultores e ambientalistas, que integram a lista de 1.813 pessoas ameaçadas por madeireiros entregue ao governo pela CPT. Esta lista poderá ser ampliada para 165 nomes.
Medidas tímidas e insuficientes
O sentimento generalizado é de que as medidas até agora anunciadas são tímidas e insuficientes, paliativas e até mesmo momentâneas, na medida em que não apontam para a implementação de políticas estruturais. No dizer do padre Ricardo Rezende, que trabalhou durante décadas na região e que também foi ameaçado de morte, o que o governo anunciou até agora são “medidas curativas”, mas, segundo ele, faltam “medidas preventivas” que ataquem “as raízes dos problemas: reforma agrária, sonegação de imposto, derrubada irregular de mata, grilagem de terra”.
Outro que cobra agilidade em políticas que ajam sobre as causas da violência na região é José Batista Afonso. “É preciso mais agilidade na demarcação de terras indígenas, regularização das terras de remanescentes de quilombos, das comunidades ribeirinhas, das áreas de proteção ambiental, além da fiscalização daquelas já existentes. Essa demarcação de territórios das comunidades da Amazônia é um passo no sentido de impor uma barreira de expansão dessas empresas ligadas ao grande capital, que estão na origem dessa violência. Então, é preciso atacar a questão de fundo, a reforma agrária também precisa ser prioridade”, insiste.
Lideranças sociais alertam também para a falta de impunidade reinante na região e que estaria na raiz de muita da violência. “Nos resta uma sensação de impunidade, de que este é um país sem lei”, afirma Mário Lúcio Reis, superintendente do Ibama do Amazonas. Também para dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, fundador da CPT e do CIMI e que conhece muito bem a região, as mortes “não são fatos isolados”, mas que representam mais “um episódio da guerra no campo. É fruto da impunidade e da corrupção marcantes sobretudo no Pará, campeão em violência no campo, em desmatamento e queimadas”, dom Pedro Casaldáliga.
A lentidão e conivência do governo estariam por trás das mortes das lideranças sociais ocorridas nas últimas semanas, alerta o diretor do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Atanagildo de Deus Matos. Para os bispos do Amapá e Pará, trata-se de mais uma amostra da “deficiência” do Estado brasileiro: “Diante desse triste e lamentável episódio, que escancara a deficiência do Estado Brasileiro em defender os filhos da terra que lutam em favor da vida, só nos resta exigir que esse crime não seja mais um impune”, diz nota da CNBB Regional Norte 2 (Amapá e Pará).
Em Nota Pública, a CPT responsabiliza o Estado pela morte do casal. “A Coordenação Nacional da CPT reafirma a responsabilidade do Estado por este crime. A vida das pessoas e os bens natureza nada valem se estes se interpuserem como obstáculo ao decantado “crescimento econômico”, defendido pelos sucessivos governos federais, pelos legisladores do Congresso Nacional que aprovam leis que promovem maior destruição do meio ambiente, e pelo judiciário sempre muito ágil em atender os reclamos da elite agrária, mas mais que lento para julgar os crimes contra os camponeses e camponesas e seus aliados. A certeza da impunidade alimenta a violência.”
Ampliando o leque, dom Pedro Casaldáliga a “omissão” do Estado em relação a “a três grandes dívidas: a reforma agrária, a política indigenista, a política doméstica e ecológica do consumo interno”.
Ausência ou omissão? No contexto de cobertura dos acontecimentos que envolvem o assassinato das lideranças camponesas e extrativistas, vale trazer a análise feita pelo Afonso Chagas, mestrando do PPG em Direito da Unisinos. Para ele, é incorreto afirmar que o Estado está ausente na região. “Afirmar a ausência do Estado, é uma visão minimalista, pelo fato de que o projeto de expansão agrícola da Amazônia foi muito bem ‘planejado’, tanto é que hoje, se tomarmos os estados da Amazônia legal, nunca o agronegócio encontrou tanto trânsito livre, principalmente o governamental, para se instituir e agir, não só em relação à ‘impunidade consentida’, mas sobretudo em polpudos financiamentos governamentais. A presença de ‘enclaves’ internacionais (Cargill, Monsanto, Bunge, Tractbel) e outros, não ocorreu sem um maciço implemento estatal, via BNDES.”
Mortes podem ter relação com a mudança do Código Florestal
Outra questão é saber se há uma relação direta ou indireta das mortes com a mudança do Código Florestal. Para o secretário Executivo do Ministério da Justiça, Luis Paulo Barreto, “não há nenhum dado, investigação apontando qualquer vinculação destes assassinatos com a tramitação do Código Florestal”, referindo-se à morte do casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo.
Entretanto, de acordo com o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), José Batista Gonçalves Afonso, que está na região para acompanhar as investigações, há relação, sim. “A questão da regularização fundiária, aprovada em 2009, a questão da concessão de florestal, são leis que vem flexibilizando para que o capital avance sobre a floresta. Então, as leis têm favorecido isso e o Código Florestal vem nesse contexto”, afirma Batista Afonso.
O engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), lembra que com o esgotamento das áreas onde era possível retirar madeira e desmatar para fazer ocupações, as reservas, terras indígenas e assentamentos agroflorestais, transformam-se em alvos próximos para novos desmatamentos.
As investidas das madeireiras são sentidas inclusive no assentamento Praialta/Piranheira, onde morava e atuava o casal de extrativistas mortos. Ali, fiscais do Ibama e agentes da Polícia Federal comprovaram um cenário de devastação de espécies nobres de madeira, como angelim, ipê roxo, ipê amarelo e castanheira, árvore cujo corte é proibido por lei em razão de correr risco de extinção. Com o apoio de um helicóptero, eles localizaram extensas áreas de floresta desmatadas para a retirada ilegal de madeira. A derrubada é feita por empresas madeireiras e também por assentados.
Nestes locais, os próprios assentados não conseguem resistir às pressões para produzir carvão e cortar madeiras em áreas de proteção ambiental.
Bispos ameaçados
A violência não mira apenas nas lideranças camponesas e extrativistas. E não se produz exclusivamente pela questão agrária. Na última Assembleia geral da CNBB, três bispos do Pará ameaçados de morte, todos de origem estrangeira, passaram os dez dias sob proteção policial. O austríaco d. Erwin Kräutler, da prelazia do Xingu, o espanhol d. José Luís Azcona Hermoso, da prelazia de Marajó, e o italiano d. Flávio Giovenale, da diocese de Abaetetuba, foram constantemente vigiados por cinco agentes de segurança, que se revezavam dia e noite. As ameaças são decorrentes de denúncias de tráfico de mulheres, violência contra indígenas, tráfico de drogas e armas.
Violência contra indígenas
Na mesma assembleia geral, a Conferência Nacional dos Bispos Brasil (CNBB) afirmou, em nota de sua 49.ª Assembleia Geral, reunida em Aparecida, que 499 índios foram assassinados em conflitos de terra, no País, entre 2003 e 2010, e 748 estão presos atualmente “porque, diante de questões não resolvidas, são levados ao desespero e à agressividade”. Pelo menos 60 lideranças indígenas, segundo os bispos, respondem a processos em consequência de sua atuação em defesa de seus territórios.
“Temos observado que continua bastante recorrente o fato que, nos casos em que o intento de inviabilizar a demarcação de uma terra indígena não é atingido por meio de pressões políticas ou de ações judiciais, alguns segmentos político-econômicos apelam para a violência, promovem invasão das terras indígenas, atacam e assassinam as lideranças destes povos”, denuncia dom Erwin Kräutler, em pronunciamento feito ao episcopado brasileiro, reunido na 49ª assembleia geral. Este pronunciamento motivou e fundamentou a nota dos bispos em que declaram seu compromisso com a causa indígena.
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