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segunda-feira, 21 de março de 2011

Sobrevivente do massacre de Corumbiara vive há 16 anos como "foragido da injustiça"



Na primeira entrevista desde a época dos fatos, Claudemir Ramos cobra um novo julgamento e afirma que já cumpriu pena até maior que a imposta pelo Judiciário

Publicado em 21/03/2011, 16:50
Última atualização às 17:19
 
Sobrevivente do massacre de Corumbiara vive há 16 anos como "foragido da injustiça"
Claudemir Gilberto Ramos acredita que se voltar a Rondônia será morto por policiais ou fazendeiros (Foto: Reprodução TVT)
São Paulo – "Estou sofrendo uma prisão psicológica." Faz 16 anos que Claudemir Gilberto Ramos, de 38 anos, tem a cabeça a prêmio. Pelo que se sabe, são R$ 50 mil por sua morte. "Para mim, já estou cumprindo a pena até demais, mesmo não estando na prisão. Só não me entreguei porque acho injusto. Se tivesse cometido crime, tinha que pagar pelo que fiz, mas não cometi o crime."
Claudemir se considera um "foragido da injustiça". Desde que ocorreu o massacre de trabalhadores rurais em Corumbiara, a 700 quilômetros de Porto Velho (RO), ele não sabe o que é endereço fixo, trabalho com registro em carteira ou convívio familiar. Condenado a 8 anos e 6 meses  de reclusão, reclama um novo julgamento e uma efetiva apuração dos fatos ocorridos na madrugada de 9 de agosto de 1995, quando ao menos 12 sem-terra foram mortos por policiais militares e pistoleiros na Fazenda Santa Elina.
Esta semana, Claudemir quebrou o silêncio pela primeira vez desde a época do massacre, em entrevista concedida à Rede Brasil Atual e à TVT. Tenso, contou que não sabe quando foi a última vez que viu as filhas nem a mãe, e expôs sua versão do ocorrido, que na visão da Organização dos Estados Americanos (OEA) representa um erro cometido pelo Brasil devido às execuções realizadas por policiais e ao júri repleto de inconsistências.
Claudemir e seu colega Cícero Pereira Leite foram condenados com base em uma peça do Ministério Público Estadual que se baseou quase que exclusivamente na investigação da Polícia Civil. Esta tomou como fundamento a apuração conduzida pela Polícia Militar, envolvida na operação.
Relatório de 2004 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA), concluiu que eram necessários novos esfoços de investigação. "A falta de independência, autonomia e imparcialidade da Polícia Militar (…) constitui violação do Estado brasileiro", defende o órgão. Nas palavras de Claudemir, não se pode pagar por um crime que não se cometeu: "O julgamento foi totalmente preconceituoso. Para mim, quem tinha que ser condenado eram os mandantes".
Os fazendeiros apontados como responsáveis pelo aliciamento de uma milícia armada que se infiltrou entre policiais foram impronunciados pela Justiça, quer dizer, as acusações foram descartadas antes mesmo de haver julgamento.
O lavrador explica que teme pela própria integridade física, por isso não se entregou em 2004, quando se esgotaram os recursos no Judiciário e ele passou a ser considerado um foragido. "Tenho certeza que se me entregar e for pra Rondônia não demora muito eles (fazendeiros e policiais) me assassinam, porque o preconceito da Polícia Militar é grande pela morte do tenente", afirma. A referência é a um dos policiais que morreram no enfrentamento dos trabalhadores.
No sistema prisional de Rondônia, as cabeças têm preço. Urso Branco, na capital de Porto Velho, registra episódios de graves chacinas. A recorrência faz com que o local seja considerado como o mais grave na história dos presídios brasileiros desde o massacre do Carandiru, ocorrido na década de 1990 em São Paulo.

A noite do crime

A ocupação da Fazenda Santa Elina teve início em 15 de julho de 1995. Na tarde de 8 de agosto, quando havia uma ordem judicial para a remoção dos sem-terra, uma negociação definiu que em 72 horas haveria uma nova conversa para definir sobre a saída, segundo Claudemir. Os acampados queriam garantias de que a área seria destinada à reforma agrária. "Até comemoramos entre os familiares, fizemos assembleia geral achando que tinha (sido) conquistado um passo da vitória porque a área já estava negociada", resume Claudemir.
Na madrugada, no entanto, um grupo invadiu o local a balas. "A gente não pode ser hipócrita. A gente tinha vigília no acampamento, até porque já tinha recebido vários ataques dos jagunços. Tinha arma de caça, ferramentas, só que (com) nossas armas era impossível combater o comando da polícia e dos jagunços", relembra
A legislação brasileira proíbe que ações de reintegração de posse sejam cumpridas durante a noite. Na troca de tiros, morreram três policiais e dois trabalhadores. Claudemir nega que tenha culpa nos episódios: "O que fiz foi me deitar no chão. Só ouvi os gritos das pessoas. Não tinha como fazer nada. Fiquei ali de bruços no chão. A única arma que eu tinha, que eu tava usando no dia da negociação, era uma máquina de foto, que no dia seguinte, na tortura, foi quebrada na minha cabeça."
Já dominados os trabalhadores, a polícia deu início a uma série de agressões, torturas e execuções que são documentadas em depoimentos e análises técnicas. Os adultos foram amarrados e jogados ao chão, enquanto as crianças eram obrigadas a pisoteá-los. Uma menina que tinha seis ou sete anos recusou-se a fazê-lo e acabou morta, segundo os relatos. Claudemir relata que homens sofreram mutilação dos testículos e alguns mortos tiveram os pescoços cortados por motosserras. Os trabalhadores foram obrigados a comer terra misturada ao sangue. Nessa etapa, há oito execuções extrajudiciais comprovadas.

Tortura e perseguição

Foi ali que Claudemir começou a driblar a morte. "Não tinha um comando, um chefe, mas eles me consideravam um chefe. Teve uma pessoa que falou que eu era o chefe, foi onde começou a tortura." Com a cabeça ferida por baionetas, ele desmaiou e, segundo testemunhas, foi jogado em um caminhão em que foram transportadas as vítimas. Ele conta que acordou no necrotério. Lá, representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do PT já haviam se inteirado do massacre e pressionaram para que fosse preservada a vida dos feridos.
Não era o suficiente para intimidar os mandantes da matança. Transferido para um hospital em Vilhena, Claudemir sustenta que recebeu a visita de dois policiais militares que só não conseguiram ir adiante graças à chegada de uma enfermeira. Na capital Porto Velho, a presença de policiais civis tampouco freou o ímpeto de matar o trabalhador, que se viu forçado a começar uma vida peregrina.
Em 2000, o Tribunal de Justiça de Rondônia agendou uma série de julgamentos sobre o caso. O Ministério Público defendeu a tese de que Claudemir e Cícero convenceram as mais de 2 mil pessoas que integravam as 500 famílias a ocupar Santa Elina. O promotor Elício de Almeida Silva defendeu, então, que eles eram culpados pela morte de doze trabalhadores e ainda deveriam responder por cárcere privado, uma vez que teriam impedido a saída dos demais acampados.
"Não achava que ia ser condenado porque não tinha prova nenhuma. Só que no final do julgamento a surpresa foi grande. No corpo de jurado para mim, tudo era ou fazendeiro ou amigo dos fazendeiros", relata Claudemir. "Para mim, não tem prova, não devo esse crime. Estava lutando pelos direitos dos trabalhadores e isso não é crime", sustenta.
O colega Cícero Pereira foi condenado a seis anos e dois meses por participação em um homicídio. Pela parte dos policiais, foram sentenciados o capitão Vitório Regis Mena Mendes e os soldados Daniel da Silva Furtado e Airton Ramos de Morais, mas todos ganharam o direito a um novo julgamento. Os demais policiais foram absolvidos, bem como Antenor Duarte, indicado por pistoleiros como mandante do massacre, tendo inclusive premiado com carros os comandantes da operação.

Apoio 

Movimentos de defesa dos direitos humanos remeteram o caso ao âmbito da OEA. Em 2004, a CIDH informou que os fatos ocorreram antes do ingresso do Brasil no sistema interamericano de justiça e, portanto, não poderia ser enviado à Corte Interamericana. Mesmo assim, recomendou que o país deveria conduzir uma apuração imparcial e séria, inclusive determinando a participação de cada um dos envolvidos nos crimes, a começar pelos mandantes.
O Comitê Nacional de Solidariedade ao Movimento Camponês de Corumbiara apoia-se no relatório da CIDH para solicitar um novo julgamento. Esta semana teve início uma articulação, com o envio de ofícios à presidenta Dilma Rousseff, à ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, e à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. "Estamos tentando despertar o interesse de nossa sociedade em torno de uma grande injustiça", argumenta o padre Leo Dolan, presidente do comitê. "Sem uma reforma agrária séria, os problemas do Brasil não serão resolvidos", insiste.
Para Claudemir, é a única maneira de deixar de ser um foragido da injustiça. "Sei que estou correndo risco de vida, mas é melhor morrer lutando do que ter sido covarde e não ter lutado por seus direitos."

Na TV

Na noite desta quinta-feira (17), a TVT transmite trechos da entrevista realizada com Claudemir. A conversa será um dos destaques do Seu Jornal, que vai ao ar a partir de 19h. A programação da TV dos Trabalhadores pode ser acompanhada pela internet e nas seguintes frequências:
Canal 48 UHF no ABC e Grande São Paulo.
Canal 46 em Mogi das Cruzes e Alto Tietê.
TV a Cabo no ABC - ECO TV- canais 96 (analógico) e 9 (digital) NET.
TV a Cabo em São Paulo – TV Aberta – canais 9 e 72 TVA (analógico) NET e 186 (digital) TVA.

3 comentários:

  1. Mostrando 4 comentários
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    Catarina Efigenia 2 dias atrás
    Em vez de ser protegidos pela lei são julgados, este pais esta mesmo bagunçado.
    Não podemos brincar de brasileiros, temos que defender o nosso pais e isso significar defender inocentes que estão sendo acusado por algo que também sofreram.
    Eu imagino como deve ser difícil ser acusado de algo que machucou e machuca você também.
    A lembrança forte de ter perdido amigos inocentes, criança inocente, buscando o que era de direito para vocês e seus companheiros, um pedaço de terra, terra que alguém tinha até mais que poderia ter, dói em mim e em na maioria dos brasileiros, imagina na pele dos acusados: Claudemir e outros que estão na mesma situação.
    Desculpa meus irmãos por não te a sua coragem e determinação, por não ter a mesma força para defender amigos que hoje infelizmente estão mortos, não por culpa de vocês e sim por culpa de um pais desigual, onde uns tem tudo e outros não tem nada.
    Não pense que foi perdida, essa coragem de quere ajudar seus companheiros. Porque mesmo não estando mais aqui eles agradecem de todo o coração, e se pudessem falar, falaria a justiça esta julgando pessoas erradas.
    Eu peço não dê mais sofrimento a quem já esta sofrendo desde 1995.

    E para vocês companheiros aqui vai meu muito abrigada, por fazer parte de um pouco de brasileiros, que tem coragem, garra, determinação e um bom coração.

    E não se preocupe Deus esta do mesmo lado que o seu. Então meus companheiros, o lado de Deus é o vencedor.

    Peço para que as JUIZES tenham luz e que apure o caso com muito cuidado para não julgar errado.

    Ass: Catarina Borborema
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  2. Corina Borborema 3 dias atrás
    Lendo toda essa história, só me faz ter certeza que a justiça do homem só foi feita para os fortes mesmo,e isso eu não tenho mais dúvida. Não dá para acreditar que existe pessoas assim. Pessoas que matam a sangue frio, pessoas que prejudicam outras que não podem se defender da mesma maneira... Bom, mas eu não estou aqui para falar ou para julgar qualquer tipo de situação
    "A propriedade da terra, monopolizada pelos ricos, fora por muito tempo um símbolo de status social na América Latina. Resulta daí ser esta uma área de terras sem homens e de homens sem terra." Para você meu amigo Claudemir espero que onde você estiver que esteja bem e que você não desista da sua luta. Talvez você pode pensar que seja fácil eu te pedir porque eu não estou no teu lugar, sim não estou mesmo, e talvez não suportaria passar o que você está passando, mas Deus está com você, alias ele sempre esteve com você. E ele sim não te abandonara, busca sua força nele, porque ele é justo e está ao lado dos justos. Pra mim você não foi um simples colega de trabalho, hoje você faz parte da minha vida. Pra mim é uma honra tê-lo no meu circulo de amigo, falo isso pelo teu caráter , pela tua pessoa, pela tua honestidade, pelo tamanho do seu coração em sempre querer o bem das pessoas. Gostaria muito de poder falar isso pessoalmente, talvez não seja o momento, e Deus sabe hora certa pra tudo.Mas quero que você fique bem onde quer você esteja,porque vou sempre estar orando por você desse lado. E mais uma vez amigo, agradeço a Deus por ter me colocado no teu caminho, a muito tempo não tinha um amigo como você, que Deus ilumine você e sua família.
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    http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2011/03/comite-vai-a-brasilia-por-novo-julgamento-de-massacre-de-corumbiara

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  3. MCC. 4 dias atrás
    Pedido de Revisão Criminal

    Revisão Criminal
    Processo: 200.000.2007.013254-2Autores: Claudenir Gilberto Ramos e Cícero Pereira Leite NetoRelator: Desembargador Renato Martins Mimessi


    Vistos.Claudenir Gilberto Ramos e Cícero Pereira Leite Neto pretendem a Revisão Criminal da sentença proferida nos autos da ação penal 01297,000329-5, da Vara Criminal da Comarca de Colorado do Oeste/RO, que os condenou às penas de oito anos e seis meses de reclusão e seis anos e dois meses de detenção, respectivamente, por homicídios ocorridos em Corumbiara, ao argumento de que as provas favoráveis aos requerentes foram totalmente desprezadas.Formulam pedido de liminar, indicando a condenação em si e a manutenção do decreto condenatórïo como requisito do periculum in mora, para que sejam soltos imediatamente, suspendendo-se a execução da pena.Devidamente distribuído o feito ao Desembargador Renato Mimessi, veio concluso à Presidência do Tribunal para análise do pedido de urgência em virtude do eminente Relator encontrar-se em gozo de recesso.Examinados, decido.A Lei Processual Penal, notadamente em seu artigo 621 e seguintes, estabeleceu os casos de cabimento da Revisão Criminal, sendo certo, pois, que sua aplicação é de caráter excepcional, já o que deslinde do pedido poderá suplantar a coisa julgada.Assim o sucesso ou insucesso da revisão demanda a demonstração cabal e coerente dos requisitos da lei, tais como: a contrariedade do julgado ao texto de lei ou à evidência dos autos e a existência de documentos ou depoimentos falsos ou a superveniência de provas novas.No mesmo passo, e mais excepcionalmente ainda, com critérios muito mais rigorosos, é que o pedido de liminar para soltura imediata dos requerentes deve ser analisado, já que tal pedido não encontra previsão expressa no texto legal do CPP, que versa sobre a revisão criminal.A presunção de inocência dos requerentes, não é elemento que labute a seu favor, uma vez que tal benesse jurídica, fora sobrepujada pelo fenômeno da coisa julgada na sentença penal condenatória.A questão é de máxima complexidade, tanto que a petição inicial fora redigida em mais de cento e vinte laudas, pelo que deve ser o caso analisado com a maior acuidade, prevalecendo, assim, a ordem judicial! Que os colocou em segregação, visto que a liberdade liminar neste estagio do processo representaria risco maior do que a manutenção da prisão dos requerentes.Isto posto, indefiro por ora o pedido de liminar, determinando a baixa dos autos ao eminente Relator para que o mesmo processo o feito na forma da lei.

    Porto Velho, 21 de dezembro de 2007.

    Desembargador Moreira ChagasPresidente em exercício
    Postado por Comitê Nacional Solidario ao MCC às 09:47 1 comentários
    sábado, 29 de dezembro de 2007
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    http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2011/03/comite-vai-a-brasilia-por-novo-julgamento-de-massacre-de-corumbiara#comment-167446363

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